FOLHA METROPOLITANA Jornal diário de Joinville e Araquari

Quem SomosAnuncieContato /     Publicações Legais

   jornalismo@folhametropolitana.com

JURA ARRUDA: O cravo, a Rosa e aquele janeiro

Conto para Não Calar, de Jura Arruda. www.juraarruda.com @juraarruda_escritor

No dia em que fomos visitar o vovô e a vovó em sua casa nova, não tinha vento e havia um calor que nos fazia suar feito a latinha de cerveja que a tia Sebastiana tirava do freezer e abria com o estalo que antecedia gole e gemido. Mamãe, ao volante, também estalava, só que a boca. “Nunca vi calor desse jeito, pelo amor de deus”. Ao que meu pai, mexendo no celular, informava: “previsão de tempestade para o final da tarde”, e seguia-se comentários repetidos, de outros janeiros, sobre tempo, temperatura e desconfortos.

“Espero que o ar-condicionado esteja funcionando, Luiz. Seu pai contou que os inquilinos deixaram a casa um lixo”, meu pai não respondeu, guardou o celular, olhou para fora e viu um céu muito azul. Com a ida da tia Sebastiana para Araraquara, a contragosto de meus avós, eles decidiram voltar para a cidade natal. Pediram a casa, mas os inquilinos não aceitavam ter que entregar o imóvel, afinal, já estavam ali há quatro anos e não tinham intenção de sair nunca mais. Mas o contrato venceria em pouco tempo e eles não tiveram outra escolha.

Chegamos, finalmente. A casa estava silenciosa, exceto pela cachorrinha vira-lata que deu para latir em nossa direção, anunciando nossa chegada. Meu avô foi quem nos recebeu à porta da antiga nova casa. Vovó veio em seguida, enxugando as mãos e reclamando do trabalho que teve para colocar tudo em ordem. Entramos e papai comentou, “A senhora fez um ótimo trabalho, mãe”.

A casa parecia a de antes da mudança, exceto por um ou outro badulaque novo e a foto de formatura da minha tia. Na grande sala, ao centro, o velho piano, “É cravo, filha”… o velho cravo, que vovó costumava tocar aos finais de tarde e que meu avô ouvia sentado no sofá. Na parede, uma réplica de Carnaval de Subúrbio, obra de Di Cavalcanti, “De 1962”, dizia meu avô com voz empostada.

No final da tarde, quando nos preparávamos para ir embora, fomos convidados a ficar e ouvir vovó tocar Concerto de Brandemburgo N. 5. Como sempre acontecia, vovô dormiu em poucos minutos e, quando vovó deu a nota derradeira, ele abriu os olhos e aplaudiu.

“Você estava dormindo, João!” E ele, muito tranquilamente, respondeu, “Não estava, Rosa, eu já falei que música erudita se ouve com os olhos fechados”. Rimos todos, inclusive ele. Naquela noite, algumas horas depois de chegarmos em casa, recebemos um telefonema da tia Sebastiana. “eles estão bem… Apenas uns arranhões e o susto. Mas aquela gente destruiu praticamente tudo, Luiz. Uns vândalos! Gritavam que a casa era deles, que iam invadir, acabaram com o cravo e esfaquearam o Di Cavalcanti… não, a polícia já tirou esses lunáticos daqui. Foram presos em flagrante. Agora tudo vai ficar bem”.

Jura Arruda
Colunista

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *